AL vai acabar?

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Alojamento Local vai acabar em Portugal? “Não”… explicamos tudo

Acórdão do STJ proíbe AL em prédios de habitação, uniformizando a jurisprudência. Mas juristas argumentam que não é o fim do AL.

O Alojamento Local (AL) vinha a ser nos últimos anos, até à pandemia, um forte motor da economia nacional e do rejuvenescimento do parque imobiliário, sobretudo nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, a par das regiões mais turísticas como o Algarve e a Madeira. Ao mesmo tempo, foi sendo alvo de críticas e contestações por parte de vizinhos e políticos. Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) veio dizer que deixa de ser possível Alojamento Local em prédios de habitação. E agora? É o fim do AL em Portugal? Explicamos tudo neste artigo, com fundamento legal.

“O STJ uniformizou jurisprudência para o Alojamento Local instalado em frações autónomas no sentido em que estes não poderão ali funcionar caso a fração desse destine a habitação”, começa por analisar a sociedade de advogados Lamares, Capela & Associados neste artigo preparado para o idealista/news, frisando que, segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que a fração se destina a habitação deve ser interpretada no sentido de nela não se poder realizar aquele alojamento local”.

Em que consiste a uniformização de jurisprudência?

Perante a mesma questão jurídica pode haver decisões de tribunais superiores contraditórias entre si – chamados conflitos de jurisprudência – acórdãos que decidem em sentidos contrários sobre idêntica questão. Assim, discutindo-se a legalidade da instalação e funcionamento de um AL em fração autónoma destinada a habitação poderá haver decisões opostas se for interposto recurso perante os diversos Tribunais da Relação ou mesmo em decisão proferida após recurso perante o STJ.

O recurso de uniformização de jurisprudência, que pode ser pedido pelo Presidente do STJ, pelas partes ou Ministério Público, pretende pôr fim à divergência de decisões divergentes, garantindo o princípio da igualdade e assegurando assim a estabilidade e harmonia nas decisões judiciais (que perante decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito as partes não sejam confrontadas com diferentes soluções consoante a região do País).

O que está em causa?

A questão de direito que originou o acórdão uniformizador não é nova nem pacífica entre os tribunais.

Há muito se questiona a legalidade do AL numa fração autónoma afeta a habitação de um prédio sujeito a propriedade horizontal, sabendo que a esses AL podem estar associadas:

  • entradas e saídas frequentes de hóspedes a várias horas do dia e da noite,
  • conversas ou convívios,
  • a utilização de elevadores,
  • o arrastar de malas nas partes comuns do edifício durante a noite.

Pesa-se o direito ao descanso e à tranquilidade dos condóminos, por um lado, e o direito do proprietário do AL rentabilizar a sua fração autónoma afetando-a ao exercício daquela atividade, ao dispor de uma licença de Alojamento Local.

  • Em 2016 a Relação do Porto julgou compatível a atividade de AL com o destino de uma fração à habitação. Entendeu que o alojamento, mesmo de curta duração, não deixa de ser qualificado como habitação.
  • Já em 2018 o mesmo Tribunal já decidiu diferente, alegando que o exercício da atividade de AL numa fração destinada a habitação pelo título constitutivo violava o fim que lhe tinha sido dado.
  • Em 2016 a Relação de Lisboa já tinha decidido que os AL instalados em frações autónomas destinadas a habitação não cumpriam a lei por implicar um uso diferente do fim a que aquela fração foi inicialmente destinada. Mas esta decisão viria a ser revogada pelo STJ em 2017, ao defender que a utilização da fração por turistas não afasta a afetação a habitação, não qualificando essa atividade como comercial.
Que efeitos tem o acórdão uniformizador para a atividade do Alojamento Local?

Aplica-se apenas ao processo em que foi proferido. Sim, porque embora se trate de uniformização de jurisprudência, não tem a força obrigatória geral que a lei atribui, por exemplo, a alguns dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, pelo que não tem aplicabilidade fora do processo concreto e não vincula senão as partes do mesmo.

No entanto, é de sublinhar que no futuro a jurisprudência uniformizada acabará por ter um efeito de persuasão e de orientação de todos os tribunais sempre que a mesma questão se venha a colocar, para garantia de alguma harmonia dentro do sistema judicial e evitar novamente as decisões contraditórias dos tribunais sobre a mesma questão

A jurisprudência uniformizada pelo acórdão do STJ sobre os AL não será aplicável, por exemplo:

  1. às moradias unifamiliares (cuja noção está no art. 3º, nº 2 do DL 128/2014, de 29 de agosto)
  2. a prédios que têm várias frações autónomas pertencentes a um só proprietário,
  3. a fracções afetas ao comércio ou a serviços.
O que podemos esperar do futuro ?

A jurisprudência uniformizada não significa a ilegalização imediata dos AL que hoje existem em frações habitacionais.

Sem querer fazer futurologia, o acórdão do STJ não acarreta o fim da atividade dos AL conforme alguns media veiculam.

Isto porque não compete aos tribunais reduzir à ilegalidade todos os AL do país, sendo antes papel do legislador fixar as condições para o registo do alojamento local (o alojamento local não carece de licença, sendo bastante para o seu registo a comunicação prévia com prazo), os requisitos de exploração e funcionamento e a fiscalização dos alojamentos locais para poder funcionar regularmente.

Em segundo lugar, uma vez que as decisões judiciais valem apenas no caso concreto, o acórdão uniformizador só poderá ser aplicado aos AL nas frações destinadas a habitação se em relação a todos eles viesse a ser requerida a ilegalidade e a consequente anulação do registo do estabelecimento por algum condómino insatisfeito, junto

Soluções?
  1. O mais óbvio é evitar o recurso aos tribunais e consequentemente a sujeição à posição do acórdão uniformizador através da manutenção das boas relações de vizinhança e a obtenção de compromissos entre o proprietário do AL e os restantes proprietários evitará recursos a tribunais nos quais se poderá suscitar a legalidade do estabelecimento. Note-se que a legislação dos AL já prevê desde 2018 a possibilidade de se fixar uma quota condominial agravada para o AL para compensar o desgaste das partes comuns gerado pelos hóspedes e que tem servido para evitar conflitos (art. 20º-A do DL128/2014, de 29 de agosto).
  2. Em caso de litígio, soluções alternativas como a mediação poderão também colocar fim à questão de forma mais rápida e sem os mesmos custos dos tribunais judiciais.
  3. A alteração da afetação dada pelo título constitutivo à fração onde funciona o AL é uma possibilidade, ainda que sujeita a procedimentos e custos administrativos bem como a necessária aprovação da unanimidade dos condóminos. Isto significa, passar a afetação da fração de habitação para, por exemplo, serviços.
  4. Considera-se que em aberto fica também o recurso de constitucionalidade da decisão judicial que aplique a jurisprudência uniformizada, nomeadamente por ofender o conteúdo material do direito de propriedade.

O acórdão não levou à extinção dos AL e cabe ao legislador alterar a lei no mesmo sentido do acórdão ou em sentido diverso ao acórdão, prevendo a possibilidade do funcionamento do AL em frações afetas a habitação, já existindo pelo menos um projeto de lei nesse sentido e apresentado na Assembleia da República pelo partido político Iniciativa Liberal após conhecer-se a decisão do STJ.

*Artigo escrito por André Gomes Dias, advogado de imobiliário da Lamares, Capela & Associados


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